sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Quando eu for Terra...

Um dia hei-de ser terra, e os bichos hão-de comer a minha carne, que será apenas matéria dissolvida na natureza. O meu corpo será como as raízes que alimentam as árvores, e cada insecto e larva responsável pela transformação da vida irá absorver um pouco do meu "Não Ser".
E seja esta projecção grotesca ou não, o certo é que não me repugna - deveria? Ao visualizar essa certeza incontornável encontro nela um efeito de paz causado pela aceitação do fim inescapável. E que não é "fim" em si mesmo, mas uma parte do ciclo da natureza, parte na qual participamos insconscientemente.

Nessa altura, quando o meu corpo se fundir com o resto da Terra, será que existirá uma réstia de mim que vai continuar a flutuar pelo universo? Que se elevará do meu corpo, então alimento da borbulhante vida subterrânea, e se integrará com o resto da luz do universo? Essa réstia de mim chamada alma, que foi criada no "início dos tempos" a partir de um átomo de hidrogénio - como todas as outras coisas que existem - um átomo que sucessivamente se foi transformando noutros mais complexos, concretizando todo o tipo de matéria e não matéria, existente e em potencial.

E será que essa réstia de mim, ao se fundir com o Todo universal, se desintegra esfumando-se nesse todo e desaparecendo assim na sua identidade singular que um dia existiu dentro de um corpo chamado meu?
Ou será que, apesar de se submergir no Espaço, esse pedacinho de universo chamado "Eu" continua íntegro, como que aglomerado em torno de um núcleo identitário que um dia foi conhecido por "Eu"?
Quero profundamente acreditar na segunda hipótese. Pois quero que seja possível a qualquer momento apelar e aceder a esse bocadinho de "Ti" que agora está integrado novamente no universo, como um dia também estarei. Pois essa réstia de ti, que é agora Luz, me ilumina sempre que para ela olho, encontrando-a dentro da minha própria luz, que contenho ainda dentro do meu corpo.

Eu bem sei que somos todos Um, e que a aparente sensação de separação que existe entre os corpos vivos é ilusória. Esta ilusão serve para que, através da sensação de "falta" de união, sintamos a necessidade de união, e assim vivamos em busca do Amor, matéria da qual a nossa essência é feita e que por isso nos é tão familiar e desesperadamente preciosa. Da mesma forma que o ouro mais brilha quando está sobre o contraste do azul, também nós mais sentimos o desejo de Amor nestas vidas na terra com o corpo nos dando a sensação de que estamos separados uns dos outros, de que o Amor está fora de nós. Quando na verdade não está, pois nós somos Amor, assim como Deus o é, e Tudo o é.

Eu bem sei...
Mas como quem escreve estas linhas e sente estas verdades é uma pessoa dentro de um corpo que vive através dos seus sentidos, é inescapável o desejo de "Te" sentir através da vida deste corpo, corpo onde habita o pedaço de universo que também sou.
Eu sei que a alma é eterna, que não existe fim para o Ser. Acredito até que este Ser se mantém como "Tu" individual mesmo que em imersão com o resto do Todo. E acredito que posso a qualquer momento alcançar-te e sentir esse flash de Amor puro que agora és.
Mas perdoa-me a minha fraqueza de humana com o síndrome da separação, pois é falta que eu sinto de "Ti", e o meu maior desejo insatisfeito ("desejo" - outra limitação humana fruto da ilusão do não ter) é não poder nesta dimensão de tempo sentir-te crua e linearmente através das células deste corpo, que um dia há-de ser terra para que também eu me funda com a luz...e contigo.

02.09.2011
03:29

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