sexta-feira, 13 de maio de 2011

Amor e Inteligência

transcrito de antigo diário de 16.05.2002
5ª f, 23h20

A chuva cai. Estou sentada no parapeito da janela de sul. O ar cheira a nevoeiro, o orvalho infiltra-se nos poros. Através deles também eu faço a minha fotossíntese vital com a essência da natureza - que é metade de mim, do que sou, vivo e sei.
Este caderno novo cheira a pimenta entranhada no papel reciclado. Foi uma prenda de anos das minhas amigas de Ermesinde, de quem eu gosto muito. Contrasta com o perfumado colorido do meu antigo diário. A realidade concreta é agora visível menos ofuscadamente, talvez porque finalmente me ofereci a observá-la sem receio de constatar a verdade que, de resto, eu já conhecia, mas tinha ainda reservas em admitir a minha consciência dela.
Vim há pouquinho de um mini-teatro na escola, de jogos de voz, luz-escuro, cores e sons inter-penetradores - foi bonito, muito zen e simbólico. Pelo caminho vindo a passo solitário, embrenhada nos meus pensamentos fruto da atenção desperta ao exterior sugestivo e global, aprendi, descobri através de mim.

É estranho verificar que afinal as coisas não existem para mim até ao momento em que eu as sei - é uma
obviedade um tanto confrangedora, julgo.
É pricipalmente angustiante quando me apercebo que, apesar disso, as coisas continuam a existir independentemente de nós - é um dado pré-adquirido mas não posto em causa ordinariamente, dada a sua carga portadora de sentimento de impotência.

Somos todos produto de algo. Efectivamente, não temos um espírito próprio voluntário independente autónomo, porque somos sempre o resultado de condicionantes exteriores, interiores, passadas, presentes ou afins. São os genes, o meio, as vivências, as acções, as decorrências nas nossas estruturas intrínsecas, que determinam o que irá acontecer no futuro, ou a razão do que acontece no presente imediato. Além disso, somos também produtores, porque tudo o que é produzido também produz alguma coisa, pois tudo o que existe produz, nem que seja o produto resultante da sua petrufacção.

Se Deus existe, então ele sabe o futuro porque conhece todas as condicionantes de cada ser humano, animal, físico, não físico, vivo, não vivo - que juntas formam mini-conjuncturas. Conhece as relações entre elas e todas as possíveis respostas para as hipotéticas e efectivas interacções entre elas. Resumindo, conhece toda a história e situação Universal, ou não seria Deus. E sabe que o bem e o mal existem onde a vontade os acompanhar. E que o amor existe quando nós quisermos que ele exista, mas também o contrário, por isso é necessário cultivar o amor para que ele floresça.
E se Ele é bom é porque se inspirou na beleza Universal. É bom saber que a única "Coisa" que já viu e conhece todas as entranhas do Universo se fascinou de tal modo pela sua beleza e se apaixonou por ele ao ponto de querer catequizar os seres do mundo a cultivar o mesmo amor profundo em que se transformou essa paixão.

A única forma de ser conseguir amar o mundo é ter consciência dele. E a única forma de se ter consciência do mundo é através da sua absorção pelos poros da inteligência. Porquê colocar estes dois componentes em polos opostos, anunciando a incompatibilidade da sua interacção? Porque não podem amor e inteligência caminhar de mãos interlaçadas, trocando impressões dialogais e obtendo assim uma concepção mais completa do seu redor?
Poemas de lágrimas sufocantes se codificaram, de enredos de narrativas prosaicas páginas se encheram, episódios de vidas românticas se relataram - denunciando entre soluços a querela entre a razão e a emoção, como se comadres em plena quezila birrenta se tratassem - para quê?
Bem, mas já era altura de mudar, não é verdade?

Com amor, essência, vida, inspiração e Cia.

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