domingo, 17 de julho de 2011

Expressão é Criação

Diz-se que não devemos dizer nada, se o que tivermos a dizer não acrescentar nada ao silêncio. Mas será que é mesmo assim? Permitam-me discordar.
Tudo aquilo que se exprime não vale apenas pelo conteúdo que significa, mas pela própria expressão em si. Quando achares que não tens nada a dizer, fala.

Fala e vais-te surpreender como ao dares o passo de te abrires à expressão, começarás a criar. Palavra ocas serão preenchidas com as cores do subentendido. O teu espírito se abrirá ao mundo e aos outros, e irás descobrir novas estradas dentro de ti.

Não fales e verás como o bolor criado por palavras caladas e emoções reprimidas irá construir uma muralha à volta do teu coração. Terás a falsa impressão de que estarás seguro, não exposto à vulnerabilidade, guardando todos os teus tesouros num cofre dentro de um alçapão nos calabouços mais profundos dessa muralha. Dormirás em paz pensado que tens a chave desse cofre bem guardada num bolso junto ao peito. Mas após algum tempo sem usares esses tesouros, sem os ofereceres aos que te rodeiam, sem sentires o sabor dessa riqueza, vais começar a esquecer esse sabor. E os tesouros deixarão de ter importância. E o que importará é construir uma muralha ainda mais alta, para afastar dragões e povos instrusos. E a chave deixará de andar junto ao peito, um dia vais-te esquecer dela numa caixa em cima da mesinha de cabeceira, aí ficando na esperança desacreditada de um dia surgir um alguém por milagre que descubra a chave, desça aos calabouços, abra o alçapão, retire o cofre, encontre os tesouros e tenha a ousadia de usar os tão vangloriados, cobiçados e bem guardados tesouros.

Os tesouros não têm fim, mas a vida como a conhecemos sim. Estes tesouros foram-te oferecidos para que os ofereças, ou simplesmente te alegres pela sua presença em ti, dando brilho à tua jornada. Poderá ser que, ao ofereceres alguns desses tesouros, recebas também tesouros de outros (embora não necessariamente de quem ofereces os teus): preciosidades com diferentes cores e tons, feitos de pedras encontradas em diferentes partes dos confins do mundo, que tornarão o teu tesouro ainda mais rico e colorido, mais cheio de coisas para dar.

"Mas e se dou todo o tesouro, nada recebo e quando olho para o cofre já não sobrou nada?"
- Não tenhas medo de ficar com o cofre vazio, porque um cofre vazio é aquele que mais está preparado para receber. É aquele que perdeu o medo de perder porque nada tem. É aquele que tudo pode ser porque nada é. Ele possui a possibilidade do infinito.
- Não tenhas medo de te expor a riscos, de te sentires vulnerável, de seres pequenino. Quando nasceste o teu cofre estava vazio, não conhecias tesouros nem conhecias o medo de perder tesouros, e por isso tudo davas e tudo recebias. Esse tudo era tão pouco e tão pequenino, mas tão valioso, como o núcleo de um diamante que nasceu da grafite de carbono.

Por isso, fala e nada guardes.
Com isto acrescento - não sejas imprudente. Tudo o que pensas, pensa-o duas vezes antes de falar. Tudo o que sentes, sente-o cerca de dez mil vezes antes de o exprimir. E não te esqueças que ao exprimi-lo irás criar mais sentimentos sobre os quais irás pensar, e mais pensamentos que irás sentir. Estás a participar na criação.

Não é por acaso que a primeira frase de uma das histórias do livro mais famoso do mundo começa com "No princípio era o Verbo. E o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus".
Criamos com esse verbo que se gera dentro de nós. Mas após amadurecida a sua gestação, ele apenas cresce quando o libertamos para fora de nós. Vamos criar e fazer nascer vida. Chega de abortos de palavras e expressões, das quais somos os únicos juízes sobre a sua vida ou morte.




15.07.2011

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Conversa com uma flor

Estava hoje a caminhar despreocupada pela relva, com o sol de fim de tarde a bater-me nos sapatos, quando passo por uma flor branca com coração amarelo, junto a outras flores, mas destacadamente mais vaidosa e altiva que as suas vizinhas.

E digo aos meus botões: "Ainda bem que não sou flor. É muito melhor ser pessoa. Coitada da flor, que vida efémera e sem objectivo."
Pensando eu que a flor não me tinha ouvido, porque afinal as flores não tem ouvidos - coitadas.
Mas esta flor, vendo o seu orgulho de flor ferido, vira-se para mim e diz-me com a sua voz aguda e suave de flor, com um toque de arrogância e charme:
"Achas que sim? Eu sou flor e apenas sou, sem esforço nem pretenciosidade. O sol oferece-se a mim todo o dia e à noite deleito-me no manto precioso das estrelas. A terra alimenta-me sem qualquer cobrança.
Estou sempre aqui, sim - mas precisarei de mais alguma coisa? Se tivesse a escolha de andar ou ficar, escolheria ficar, pois nada existe de melhor que eu já não tenha aqui.
Achas-te muito importante porque corres, lutas, conquistas e até porque, como és pessoa, consegues ter tais pensamentos sobre uma flor. Eu não tenho pensamentos, mas sou parte da consciência do universo tal como tu.
Serei sempre bonita enquanto viver e quando deixar de ser bonita já não existirei. E mesmo com a minha morte tenho o poder de criar um fruto que está na origem de uma árvore tão grande e imponente - tão mais importante do que tu para a vida na Terra.
Eu sou flor, e tu és pessoa. Sim: sou flor."

Posto isto, nada mais me restou senão encolher os ombros e dizer "pois é..." com alguma melancolia e continuar seguindo até casa, onde iria iniciar a minha maratona doméstica habitual: "que sorte tem a flor".
E ela sorriu, levantando a sua cabeça de flor um pouco mais para o sol.


15.07.2011
17:40

* história verídica

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O caracol


transcrito de 22.05.2002


Ontem pisei um caracol que deslizava na chuva do passeio. Segundo a filosofia existencialista eu cometi um acto de assassinato e deverei responder na minha consciência por isso, porque ela defende que somos responsáveis por todos os nossos actos - voluntários ou não -, o que é consequência da liberdade com que nascemos.
Não sei se sou existencialista ou não, mas que é certo é que, se o ar fosse constituído por substâncias espelhantes, poderia reflectir a expressão de remorso que o meu semblante deixava transparecer.



terça-feira, 12 de julho de 2011

I See You

I see you with my soul
And through you I see the world

I see you with my heart
And I see you as my part

I see you when it's dark
You lighten this inner spark

I see you as you see myself
And what I see I cannot tell

I see you in all colour shades
Crystal, dark and rainbow glades

I see you and I feel your pain
It falls on my head like healing rain

I see you and I feel your love
It comes from a magic ray above

12.07.2011















photo: Avatar 2009

A Fonte do Amor

Existe uma fonte inesgotável de amor
algures no universo
Essa fonte liberta calor
e de todos nós é o berço

É a matéria-prima do mundo
e faz parte das minhas células
É o verbo mais profundo
e o que une as coisas belas

Existe uma fonte inesgotável de amor
algures no universo
Essa fonte jorra cor
sobre ti, eu, e este verso

É a dádiva da vida
que grita por nascer
É a alma mais antiga
que este céu viu viver

Existe uma fonte inesgotável de amor
algures no universo
Existe, e eu bebo desse amor
Sempre que amor eu peço.


12.07.2011


















pintura por Akiane