Se queres amar plenamente (e amar só o é se for plenamente), tens que amar em todas as dimensões de ti: por pensamentos, palavras, actos e omissões.
Amar é ser amor: amas primeiro em pensamentos (ou no "coração") - dentro de ti, por ti, através de ti. O pensamento é a semente atomizada que existe antes de qualquer outra coisa acontecer: pré-existe; mesmo antes de tomares consciência do que está a acontecer, mesmo antes de saberes que amas - já amas. Amas por motivos inconscientes que estão fora do teu controlo de vigília; amas no estado de piloto automático - e por isso se diz que o amor é irracional (não é, mas simplesmente lhe desconhecemos as razões). Por isso - e aqui corrijo, ou antes, aperfeiçoo a afirmação inicial - amas primordialmente nos não-pensamentos: no fundo de ti que até tu próprio desconheces.
Amar é dizer amor: amas quando partilhas por palavras o amor que sentes com a pessoa que amas - e assim esse amor que dizes se transforma de pensamento esfumado para linguagem materealizada no verbo. E do verbo (que é, desde o início dos tempos, o princípio de tudo) se constrói o sentimento, tornando-o na palavra um bocadinho mais humano e um pouco menos puro (porque nunca é possível dizer o amor de forma perfeita e absoluta como ele o é, por isso ao dizê-lo estamos a reduzi-lo, a aprisioná-lo na forma de uma palavra) - mas, acima de tudo, em algo que podemos quase tocar, (tentar) compreender e lhe desenhar uma lógica, encaixando-o estruturadamente no sentido que lhe queiramos dar (mesmo que nem tudo tenha que ter sentido). E do verbo (que forma, desde o início dos tempos, a forma de tudo) se reciproca o amor, elevando-o ao quadrado.
Amar é fazer amor: amas quando validas o teu amor com actos que são a expressão e a prova desse mesmo amor. A sabedoria do povo acumulada ao longo de séculos resume singelamente este facto nas expressões: "talk is cheap" (falar é fácil) ou "de boas intenções está o inferno cheio". Palavras de amor que não são legitimadas com gestos de amor são meras palavras ocas e isentas de força; intenções verbalizadas em palavras bonitas que depois não se traduzem em verdadeiras acções pró-activas (não me refiro a acções passivas e fáceis, decorrentes do desenrolar do tempo, mas a acções consequentes de decisões marcantes que salientem a existência do amor que é sentido e a verdade do amor que é dito) são inúteis rascunhos nos quais mais valia que não se tivesse gasto papel, tempo e energia - porque nada produzem, são a energia da inutilidade pura. Amor que é amor e que valha a pena viver em vida é amor que se faz: amor que transforma - o nada em tudo, o quase em feito, o sonho em realidade.
Amar é sacrificar por amor: amas pelas omissões que decides fazer - por aquilo que deixas de fazer porque amas. O poder do amor só existe quando este é capaz de te fazer ceder à abnegação pessoal em favor do outro (algo tão démodé, eu sei) e te fazer entregar voluntariosamente ao sacrifício que exige a vivência humana do amor. Amar é aquilo que podias fazer e não fazes, aquilo que te apetecia mesmo mas não queres (a mentira não vivida, a traição não cometida) ou aquilo que não te convinha nada mas fazes (o filme que preferias não ver, o dinheiro que preferias não gastar); é perderes uma parte do teu espaço para ganhares o espaço comum do amor, é retirares tempo do "eu" para dar mais tempo ao "nós"; é cortar um pedaço da tua costela, do teu orgulho, do teu conforto e dar um bocado de ti: é dares-te. E assim seres menos tu - mas mais amor. E não te importares nada com isso, porque sabes que aquilo que perdeste é muito inferior àquilo que ganhaste - e sabes bem. E sabe bem.
05.03.2012