quarta-feira, 11 de abril de 2012

"Child Soldiers"


As crianças soldado não existem só nos países de terceiro mundo; as crianças soldado são as que as nossas escolas andam a criar, aqui, no nosso mundo de segunda: cabeças formatadas a um molde pré-concebido (concebido por quem?) daquilo que deve ser - porque sempre foi. As nossas crianças nascem livres de alma, rijas de mente, capazes de erguer o mundo com o impossível que acreditam real - mas a nossa escola aprisiona-lhes a utopia, debilita-lhes a coragem e enfia-lhes uma receita no cérebro que diz que o mundo é para ser deixado quietinho "para não se partir" porque "te podes magoar".

As nossas crianças, tão selvagens e puras, aprendem, "para seu bem", na escola militarizante, a pensar como macacos amestrados: faz aquilo que te mandam; não abras a boca para dizer disparates; quanto mais fazes, maior a probabilidade de errares - por isso, cala-te e copia-me, a mim que sou adulto e sei mais do que tu.

Copia-me. Não sejas tu. Faz tudo direitinho. Não dês erros. Olha as regras. Desobedecer é morrer. Não mexas nisso. Podes-te magoar. Tem cuidado. Não é assim que se faz. Olha que vais cair. Vês? Avisei-te que ias cair. Quem tem razão? Está quieto. Na missa não se fala. À mesa não se canta. Já fizeste os deveres?

Deveres. Que palavra tão antitética. Porque às vezes deveria ser nosso dever não olhar aos deveres. E gritar pela liberdade que temos - que sempre, sempre, temos - de não dever nada aos deveres. E viveres.

Mas as crianças soldado, do alto da sua inocência, (ainda) não sabem disto: confiam em nós, adultos formatados, tristes e coitados. (Porquê? Porque somos grandes: grandes por fora, minúsculos por dentro; e elas: pequenas por fora, enormes por dentro.) E aprendem a calar a sua voz interior tão incomodativa, porque querem ser amadas por nós, adultos corrompidos. Querem ser amadas. Amadas.

Einstein (que foi sempre uma criança grande, não amestrada) disse-nos, no tempo dos dinossauros, que a criatividade (pensamento divergente) é bem mais importante que a inteligência (pensamento convergente) - a criatividade é a verdadeira inteligência, pois é ela que permite criar conhecimento novo e não apenas compreender o que já foi feito - e que a imaginação é bem mais importante para o avanço de uma sociedade do que o conhecimento. Ele disse isto e muitas outras coisas tão infantis como esta; mas, como bons adultos soldado que somos, só bebemos o sumo da lei da relatividade e, mesmo assim, caindo no paradoxo de passar a encará-la como absoluta e inquestionável.

E continuamos a aplicar a máxima salazarista do "se soubesses o que custa mandar, preferias obedecer toda a vida": recompensamos as crianças que são bons soldados e castigamos as que fogem ao sistema - condicionando, assim, o pensamento a aprisionar-se, a abafar-se e a auto-mutilar-se, quando posto diante de uma situação de ensino, tal como Pavlov condicionou os cãezinhos a salivar quando expostos ao som de campainhas. A escola exerce, sem o saber (ou será que o sabe?), uma função de seleccionadora natural das espécies, sob o princípio de: quem é bom a ser criança soldado, sobrevive; quem é mau a ser criança soldado, é eliminado. Poucas são as que conseguem ser boas crianças soldado, mantendo intacta a sua liberdade interior até à idade adulta; poucas são as que conseguem fintar o sistema.

Se és uma dessas crianças soldado e conseguiste sobreviver sem seres eliminado, não cales agora o que antes era pecado, porque já não tens que obedecer para seres amado por um adulto de cérebro quadrado. Luta pela liberdade das nossas (ainda) puras crianças soldado.



Pus isto no papel para ver se a minha cabeça se cala, porque eu quero dormir.

Já está.
Com licença. Boa noite.

11.04.2012

5:40



8 comentários:

  1. Já que tantas críticas faz e que tal uma entrada onde exponha a sua criatividade para MUDAR O MUNDO!!!
    Como poderia a ciência ou a tecnologia evoluir se as massas não fossem ensinadas com o que já existe? A criatividade vai se associando... Para os capazes de a ousarem desenvolver...
    Deve-se redescrobrir constantemente que a terra é redonda? que é no núcleo de uma célula que se encontram os nucleótidos e ... e o DNA que traduz toda a informação genética? que Pi o irracional resultante do quociente entre o perímetro e o diâmetro de uma circunfência? as leis de newton? a reação de reagentes nocivos? linguagem C++ e outras dos computadores que permite programar programas com que lidamos diariamnete na nossa tecnologia? e a criar robós? seria possível a um jovem de vinte e poucos anos se não percorresse todo um caminho de quem já sabe?
    Escreve muito bem minha menina, mas é isso uma menina sonhadora, que pensa que pode mudar o mundo, mas não pode!!!
    E esses génios como Einstein, o quanto sofreram pela falta de uma medicação que lhes estabilizasse da atrofia cognitiva de que sofriam... Ou não me diga que pela criatividade valeu o sofrimento dele!!! Viva aos suicidas!!!
    E não aos DEVERES... só os tolos o podem dizer... Mais delinquemtes... errem mais p aprenderem e se não conseguirem voltar atrás viva à mesma sentiram-se livres e arruinaram-se, parabéns!!!
    Acredita mesmo que a vida seria melhor sem deveres?

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    1. Caro Carlos, atrofias cognitivas? Pode esclarecer do que se trata?
      (esses termos mais latos fazem-me um bocado de confusão, se me puser com deduções sobre o termo o meu comentário tornar-se-à demasiado extenso)

      Sofrimento, valer a criatividade? Olhe, não fui amigo do Borges para lhe dizer se vale ou não, mas ele sabia que iria ficar cego se continuasse a esforçar a vista para ler a quantidade de livros que lia, e acabou os seus dias com cego com a empregada a ler para ele.

      Humildemente.

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    2. Penso que a Mariana responde ao que me questiona, mais a baixo...

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  2. Nota: em génios como Einstein, suicidas, não me referia ao próprio obviamente!
    Carlos Pereira.

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  3. Carlos: obrigada por partilhar a sua opinião. Muito me congratulo pelo facto da minha provocação ter, de facto, provocado tal reacção inflamatória, como era meu objectivo provocar.
    Mas desconsiderando o objectivo acidificante deste texto, que omitiu propositadamente as ressalvas contra-argumentativas que lhe dariam o equilíbrio necessário para ser mais universalmente aceite por um menor denominador comum, quero apenas esclarecer dois pontos (nos quais as nossas opiniões divergentes se tocam, mas que decidi não incluir no texto, de modo a não me desviar da ideia essencial, e que aproveito para focar aqui):
    - Amén ao conhecimento, à cultura, à leis da física, à genética, à tecnologia: o conhecimento tem que ser sistematicamente redescoberto, sim, por cada um de nós, que nasce tábua rasa e precisa dele para se construir. Mas isso todos sabemos: aqui quis apenas sublinhar a importância de darmos um passo para além do conhecimento existente (através da criação criativa), de não parar de questionar, e de ganharmos consciência de que a nossa participação activa pode ter tanto valor como a de qualquer outro letrado que nos ensina.

    - Amén à disciplina: as crianças precisam, sim, de regras que lhes estruture o mundo e de autoridade que lhes incuta valores (autoridade essa que, infelizmente, cada vez mais, hoje os pais não sabem ter, por querem ser acima de tudo amigos dos filhos, em vez de serem acima de tudo pais). Acho que até aqui não há segredo. Mas o que eu quis realçar foi a importância de não nos deixarmos amestrar pela ditadura do dever infundamentado, porque o que deve, e não deve, ser feito está constantemente a mudar. O dever que nos devemos orgulhar de cumprir deve ser fruto de uma auto-disciplina interior, constantemente trabalhada, e não de uma imposição externa forçada e incompreendida (como se fôssemos o rebanho tolo subjugado).

    - Amén à felicidade: Neste terceiro ponto desvio-me, lamento, da sua argumentação, no ponto em que liga a criatividade a tendências suicidas. Aceito, é facto, que as grandes produções dos maiores génios ocorreram em períodos emocionalmente sombrios. Mas acredito que é perfeitamente possível, desejável e frequente a criatividade ocorrer a par de um estado emocional saudável. Não foi de todo meu objectivo abordar, aqui, a qualidade da inteligência emocional de Einstein. A criatividade deve ser usada, inclusive, para nos ajudarmos a nós próprios e nos reinventarmos, sempre que a situação presente tiver esgotado o seu valor para o nosso crescimento.

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  4. Menina Mariana, agora sim estamos quase que totalmente em acordo... esta reavaliação do que antes dissera parece-me entrar em parte em contradição... mas parece-me que foi mais um reajuste de pensamento/crença.
    Carlos P.

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  5. E o denominador comum, como lhe chama, talvez seja MAIOR...
    É certo que este nosso mundo é muito imperfeito...
    E talvez você possa MUDAR O MUNDO um pouco, poderiamos todos, passo a passo, mas discordo que pelo rumo que delineou no testo!
    Tem de começar em casa (como já refere na resposta) e prolongar à escola...
    O redescobrir que acentua não tende para zero numa qualificação comparativa com o descobrir do 1º.
    Esse é redescobri-aprender, que aí sim concordo falta muito nas nossas escolas.
    Mas é necessário este aprender ou redescobrir-aprender para depois os mais afortunados DESCOBRIREM algo mais... e assim se dá a evolução da tecnologia, da ciência.
    E sim, felizmente existem/existiramk génios não tão sofridos...
    Os exemplos por si sitados quanto aos deveres são cpontraditórios com o que em ultimo responde, para qualquer agora mesmo numerador comum...
    Reforço,
    REAJUSTE!!!
    Bem haja!!!

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  6. Carlos: ainda bem. Realço apenas que não se trata de um reajuste, pois as crenças, pelo menos no que me toca, não se alteram tão abruptamente. Apenas expus, no comentário, o reverso da moeda que optei por não incluir no texto, uma vez que o texto quer-se focar no essencial do lado obscuro da moeda.

    Metaforizando: O céu é azul (quando está limpo); o céu também é branco (com nuvens); o céu também é laranja (ao entardecer). No texto quis falar sobre o céu ser laranja; o que não exclui que ele possa também ser azul ou branco. O Carlos falou sobre o branco do céu; eu sobre o laranja. O meu texto não tem qualquer pretensão argumentativa em catequizar ou convencer ninguém; é o meu desabafo livre sobre uma das cores do céu.

    Que haja pensamentos
    Que haja expressão
    Que haja opiniões
    como todas estas.

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